Falácias



Guia das falácias de Stephen Downes
Tradução e adaptação de Júlio Sameiro


O objectivo de um argumento é expor as razões (premissas) que sustentam uma conclusão. Um argumento é falacioso quando parece que as razões apresentadas sustentam a conclusão, mas na realidade não sustentam. Da mesma maneira que há padrões típicos, largamente usados, de argumentação correcta, também há padrões típicos de argumentos falaciosos. A tradição lógica e filosófica procurou fazer um inventário e dar nomes a essas falácias típicas e este guia faz a sua listagem.


Falácias da dispersão

Cada uma destas falácias caracteriza-se pelo uso ilegítimo de um operador proposicional, uso que desvia a atenção do auditório da falsidade de uma certa proposição.


Falso dilema

É dado um limitado número de opções (na maioria dos casos apenas duas), quando de facto há mais. O falso dilema é um uso ilegítimo do operador "ou". Pôr as questões ou opiniões em termos de "ou sim ou sopas" gera, com frequência (mas nem sempre), esta falácia.
Exemplos:
·           Ou concordas comigo ou não. (Porque se pode concordar parcialmente.)
·           Reduz-te ao silêncio ou aceita o país que temos. (Porque uma pessoa tem o direito de denunciar o que entender.)
·           Ou votas no Silveira ou será a desgraça nacional. (Porque os outros candidatos podem não ser assim tão maus.)
·           Uma pessoa ou é boa ou é má. (Porque muitas pessoas são apenas parcialmente boas.)


Prova: Identifique as opções dadas e mostre (de preferência com um exemplo) que há pelo menos uma opção adicional.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 136


Apelo à Ignorância (argumentum ad ignorantiam)

 Os argumentos desta classe concluem que algo é verdadeiro por não se ter provado que é falso; ou conclui que algo é falso porque não se provou que é verdadeiro. (Isto é um caso especial do falso dilema, já que presume que todas as proposições têm de ser realmente conhecidas como verdadeiras ou falsas). Mas, como Davis escreve, "A falta de prova não é uma prova." (p. 59)
Exemplos:
·           Os fantasmas existem! Já provaste que não existem?
·           Como os cientistas não podem provar que se vai dar uma guerra global, ela provavelmente não ocorrerá.
·           Fred disse que era mais esperto do que Jill, mas não o provou. Portanto, isso deve ser falso.
Prova: Identifique a proposição em questão. Argumente que ela pode ser verdadeira (ou falsa) mesmo que, por agora, não o saibamos.
Referências: Copi e Cohen: 93; Davis: 59


Derrapagem (bola de neve)

Para mostrar que uma proposição, P, é inaceitável, extraiem-se consequências inaceitáveis de P e consequências das consequências... O argumento é falacioso quando pelo menos um dos seus passos é falso ou duvidoso. Mas a falsidade de uma ou mais premissas é ocultada pelos vários passos "se... então..." que constituem o todo do argumento.
Exemplos:


·           Se aprovamos leis contra as armas automáticas, não demorará muito até aprovarmos leis contra todas as armas, e então começaremos a restringir todos os nossos direitos. Acabaremos por viver num estado totalitário. Portanto não devemos banir as armas automáticas.
·           Nunca deves jogar. Uma vez que comeces a jogar verás que é difícil deixar o jogo. Em breve estarás a deixar todo o teu dinheiro no jogo e, inclusivamente, pode acontecer que te vires para o crime para suportar as tuas despesas e pagar as dívidas.
·           Se eu abrir uma excepção para ti, terei de abrir excepções para todos.


Prova: Identifique a proposição, P, que está a ser refutada e identifique o evento final, Q, da série de eventos. Depois mostre que este evento final, Q, não tem de ocorrer como consequência de P.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 137


Pergunta Complexa

Dois tópicos sem relação, ou de relação duvidosa, são conjugados e tratados como uma única proposição. Pretende-se que o auditório aceite ou rejeite ambas quando, de facto, uma pode ser aceitável e a outra não. Trata-se de um uso abusivo do operador "e".
Exemplos:


·           Deves apoiar a educação familiar e o Direito, dado por Deus, de os pais educarem os filhos de acordo com as suas crenças.
·           Apoias a liberdade e o direito de andar armado?
·           Já deixaste de fazer vendas ilegais? (São duas questões: já cometeste ilegalidades? Já te deixaste disso?)


Apelo a motivos (em vez de razões)

As falácias desta secção têm em comum o facto de apelarem a emoções ou a outros factores psicológicos. Não avançam razões para apoiar a conclusão.


Apelo à força (argumentum ad baculum)

O auditório é informado das consequências desagradáveis que se seguirão à discordância com o autor.
Exemplos:


·           É melhor admitires que a nova orientação da empresa é a melhor — se pretendes manter o emprego.
·           A NAFTA é um erro! E se não votares contra a NAFTA, então "votamos-te" para fora do escritório.
Prova: Identifique a ameaça e a proposição. Argumente que a ameaça não tem relação com a verdade ou a falsidade da proposição.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 151; Copi e Cohen: 103.


Apelo à Piedade (argumentum ad misercordiam)

Definição: Pede-se a aprovação do auditório na base do estado lastimoso do Autor.
Exemplos:


·           Como pode dizer que eu reprovo? Eu estava mais perto da positiva e, além disso, estudei 16 horas por dia.
·           Esperamos que aceite as nossas recomendações. Passámos os últimos três meses a trabalhar desalmadamente nesse relatório.


Prova: Identifique a proposição e o apelo à autoridade e argumente que o estado lastimoso do argumentador nada tem a ver com a verdade da proposição.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 151; Copi e Cohen: 103, Davis: 82.


Apelo às consequências (argumentum ad consequentiam)

O argumentador, para "mostrar" que uma crença é falsa, aponta consequências desagradáveis que advirão da sua defesa.
Exemplos:


·           Não podes aceitar que a teoria da evolução é verdadeira, porque se fosse verdadeira estaríamos ao nível dos macacos.
·           Deve-se acreditar em Deus, porque de outro modo a vida não teria sentido. (Talvez. Mas também é possível dizer que, como a vida não tem sentido, Deus não existe.)


Prova: Identifique as consequências e argumente que a realidade não tem de se adaptar aos nossos desejos.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 100; Davis: 63.


Apelo a Preconceitos
 Termos carregados e emotivos são usados para ligar valores morais à crença na verdade da proposição.
Exemplos:


·           Os portugueses bem intencionados estão de acordo em plebiscitar a pena de morte.
·           As pessoas razoáveis concordarão com a nossa política fiscal.
·           O primeiro-ministro tem a veleidade de pensar que as novas taxas de juro ajudarão a diminuir o déficit.(O uso de "tem a veleidade de pensar" sugere sem argumentos que o primeiro ministro está enganado.)
·           Os burocratas do parlamento resistem às leis de defesa do património. (Compare-se com: "Os parlamentares rejeitaram a proposta de lei de defesa do património.")


Prova: Identifique os termos preconceituosos usados: (p. ex.:. "portugueses bem intencionados" ou "Pessoas razoáveis"). Mostre que discordar da conclusão não é suficiente para dizer que a pessoa é "mal intencionada" ou "pouco razoável".
Referências:
Cedarblom e Paulsen: 153; Davis: 62.


Apelo ao povo (argumentum ad populum)

Com esta falácia sustenta-se que uma proposição é verdadeira por ser aceite como verdadeira por algum sector representativo da população. Esta falácia é, por vezes, chamada "Apelo à emoção" porque os apelos emocionais pretendem atingir, muitas vezes, a população como um todo.
Exemplos:


·           Se você fosse bela poderia viver como nós. Compre também Buty-EZ e torne-se bela. (Aqui apela-se às "pessoas bonitas")
·           As sondagens sugerem que os liberais vão ter a maioria no parlamento, também deves votar neles.
·           Toda a gente sabe que a Terra é plana. Então por que razão insistes nas tuas excêntricas teorias?



Fugir ao assunto

As falácias desta secção fogem ao assunto, discutindo a pessoa que avançou um argumento em vez de discutir razões para aceitar ou não aceitar a conclusão. Em algumas ocasiões é aceitável citar autoridades, (por exemplo, citar o médico para justificar o uso de um medicamento) quase nunca é apropriado discutir a pessoa em vez dos seus argumentos.


Ataques pessoais (argumentum ad hominem)

 Ataca-se pessoa que apresentou um argumento e não o argumento que apresentou. A falácia ad hominem assume muitas formas. Ataca, por exemplo, o carácter, a nacionalidade, a raça ou a religião da pessoa. Em outros casos, a falácia sugere que a pessoa, por ter algo tem algo a ganhar com o argumento, é movida pelo interesse. A pessoa pode ainda ser atacada por associação ou pelas suas companhias.
Há três formas maiores da falácia ad hominem:


1.        Ad hominem (abusivo): em vez de atacar uma afirmação, o argumento ataca pessoa que a proferiu.
2.        Ad hominem (circunstancial): em vez de atacar uma afirmação, o autor aponta para as circunstâncias em que a pessoa que a fez e as suas circunstâncias.
3.        Tu quoque: esta forma de ataque à pessoa consiste em fazer notar que a pessoa não pratica o que diz.
Exemplos:


1.        Podes dizer que Deus não existe mas estás apenas a seguir a moda (ad hominem abusivo).
2.        É natural que o ministro diga que essa política fiscal é boa porque ele não será atingido por ela (ad hominem circunstancial).
3.        Podemos passar por alto as afirmações de Simplício porque ele é patrocinado pela indústria da madeira (ad hominem circunstancial).
4.        Dizes que eu não devo beber, mas não estás sóbrio faz mais de um ano (tu quoque).
Prova: Identifique o ataque e mostre que o carácter ou as circunstâncias da pessoa nada tem a ver com a verdade ou falsidade da proposição defendida.
Referências: Barker: 166; Cedarblom e Paulsen: 155; Copi e Cohen: 97; Davis: 80.


Apelo à autoridade (argumentum ad verecundiam)

 Ainda que às vezes seja apropriado citar uma autoridade para suportar uma opinião, a maioria das vezes não o é. O apelo à autoridade é especialmente impróprio se:


1.        A pessoa não está qualificada para ter uma opinião de perito no assunto.
2.        Não há acordo entre os peritos do campo em questão.
3.        A autoridade não pode, por algum motivo ser levada a sério — porque estava brincar, estava ébria ou por qualquer outro motivo.


Uma variante da falácia do apelo à autoridade é o "ouvi dizer" ou "diz-se que". Um argumento por "ouvir dizer" é um argumento que depende de fontes em segunda ou terceira mão.
Exemplos:


1.        O famoso psicólogo Dr. Frasier Crane recomenda-lhe que compre o último modelo de carro da Skoda.
2.        O economista John Kenneth Galbraith defende que uma apertada política económica é a melhor cura para a recessão. (Apesar de Galbraith ser um perito, nem todos os economistas estão de acordo nesta questão.)
3.        Encaminhamo-nos para uma guerra nuclear. A semana passada Ronald Reagan disse que começaríamos a bombardear a Rússia em menos de cinco minutos. (Claro que o disse por piada ao testar o microfone.)
4.        Sousa disse que nunca perdoaria ao Pinto. (Trata-se de um caso de "ouvir dizer" — de facto ele apenas disse que Pinto nada tinha feito para ser perdoado.)
Prova: Mostre uma de duas coisas (ou ambas):
1.        A pessoa citada não é uma autoridade no campo em questão;
2.        Entre os especialistas não há consenso sobre o assunto discutido.
Referências: Cedarblom and Paulsen: 155; Copi e Cohen: 95; Davis: 69.


Autoridade anônima

 A autoridade em questão não é nomeada. Isto é uma forma de apelo à autoridade porque quando a autoridade não é nomeada é impossível confirmar se se trata de um perito. Esta falácia é tão comum que merece uma menção especial. Uma variante desta falácia é o apelo ao rumor. Como a fonte do rumor é, em regra, desconhecida, não é possível verificar se o rumor merece crédito. Rumores falsos e caluniosos são lançados muitas vezes intencionalmente com o objectivo de desacreditar o oponente.
Exemplos:


1.        Um membro do governo disse que uma nova lei sobre posse e uso de armas será proposta amanhã.
2.        Os peritos dizem que a melhor maneira de prevenir uma guerra nuclear é estar preparado para ela.
3.        Sabe-se que milhares de operações desnecessárias são realizadas todos os anos.
4.        Diz-se que o primeiro-ministro vai decretar outro feriado antes das eleições.
Prova: Argumente que pelo facto de não conhecermos a fonte e a base da informação, não temos maneira de avaliar a fiabilidade da informação.
Referências: Davis: 73.


Estilo sem substância

Pretende-se que o modo como o argumento ou o argumentador se apresentam contribui para a verdade da conclusão.
Exemplos:


1.        Nixon perdeu o debate presidencial porque tinha suor na testa.
2.        Trudeau sabe dirigir as massas. Ele deve ter razão.
3.        Por que não aceitas o conselho daquele jovem elegante e bem parecido?


Prova: É um facto que o modo como o argumento é apresentado, influencia a crença das pessoas na verdade da conclusão. Mas a verdade da conclusão não depende do modo como o argumento é apresentado. Para mostrar que esta falácia está a ser cometida, mostre que, neste caso, o estilo não afecta a verdade ou a falsidade da conclusão.
Referências: Davis: 61.


Falácias indutivas

O raciocínio indutivo consiste em inferir das propriedades de uma amostra para as propriedades de um elemento não pertencente à amostra ou para as propriedades da população como um todo. Suponha-se, por exemplo, que temos uma lata com 1000 feijões. Alguns são pretos e outros são brancos. Suponha agora que retirámos da lata uma amostra de 100 feijões e que 50 eram brancos e outros 50 eram pretos. Então, podemos inferir indutivamente que metade dos feijões da lata (500 feijões) são pretos e que a outra metade é branca.
Todo o raciocínio indutivo depende da semelhança entre a amostra e a população. Quanto maior for a semelhança entre a amostra e a população como um todo, maior fiabilidade terá a inferência indutiva. Por outro lado, se a amostra tiver diferenças relevantes face à população, então a inferência indutiva não será fiável.
Mesmo que as premissas de um raciocínio indutivo sejam verdadeiras, a conclusão pode ser falsa. Apesar disso, uma boa inferência indutiva dá-nos uma boa razão para pensar que a conclusão é verdadeira.


Generalização Precipitada

A amostra é demasiado limitada e é usada apenas para apoiar uma conclusão tendenciosa.
Exemplos:


1.        Fred, o australiano, roubou a minha carteira. Portanto, os Australianos são ladrões. (Claro que não devemos julgar os Australianos na base de um exemplo.)
2.        Perguntei a seis dos meus amigos o que eles pensavam das novas restrições ao consumo e eles concordaram em que se trata de uma boa ideia. Portanto as novas restrições são populares.


Prova: Identifique as dimensões da amostra e a população em questão. Depois mostre que a amostra é insuficiente. Note-se que uma prova formal requer cálculo matemático porque está em jogo a teoria das probabilidades. Mas em muitas situações podemos confiar no bom senso.
Referências: Barker: 189; Cedarblom and Paulsen: 372; Davis: 103.

Amostra limitada

Há diferenças relevantes entre a amostra usada na inferência indutiva e a população como um todo
Exemplos:


1.        Para ver como os Portugueses vão votar na próxima eleição sondou-se uma centena de pessoas em Bragança. Isto mostra, sem dúvida, que a direita vai limpar as eleições. (As pessoas de Bragança tendem a ser mais conservadoras e, portanto, mais propensas a votar em partidos de direita do que as outras pessoas no resto do país.)
2.        As maçãs do topo da caixa parecem boas. Todas as maçãs desta caixa devem ser boas.(As maçãs com bicho, claro, estão em camadas mais fundas...)
Prova: Mostre que há diferenças relevantes entre a amostra e a população como um todo. Depois, argumente que por a amostra ser diferente, a conclusão é provavelmente diferente.
Referências: Barker: 188; Cedarblom e Paulsen: 226; Davis: 106.


Falsa analogia

 Numa analogia mostra-se, primeiro, que dois objectos, a e b, são simelhantes em algumas das suas propriedades, F, G, H. Conclui-se, depois, que como a tem a propriedade E, então b também deve ter a propriedade E. A analogia falha quando os dois objectos, a e b, diferem de tal modo que isso possa afectar o facto de ambos terem a propriedade E. Diz-se, neste caso, que a analogia não teve em conta diferenças relevantes.
Exemplos:


1.        Os empregados são como pregos. Temos de martelar a cabeça dos pregos para estes desempenharem a sua função. O mesmo deve acontecer com os empregados.
2.        Governar um país é como gerir uma empresa. Assim, como a gestão de uma empresa responde unicamente ao lucro dos seus accionistas, também a governação deve fazer o mesmo. (Mas os objectivos da governação e da gestão de uma empresa são muito diferentes; assim, provavelmente têm de encontrar critérios diferentes.)


Prova: Identifique os dois objectos ou eventos que estão a ser comparados e a propriedade que se diz que ambos possuem. Mostre que os dois objectos diferem de tal modo que a analogia se torna insuficiente.
Referências: Barker: 192; Cedarblom and Paulsen: 257; Davis: 84.


Indução preguiçosa

 A conclusão apropriada de um argumento indutivo é negada apesar dos dados.
Exemplos:


1.        Hugo teve doze acidentes nos últimos 6 meses. No entanto, ele continua a dizer que se trata de coincidência e não de culpa sua. (Indutivamente, as provas apontam irresistivelmente para a culpa de Hugo.) Este exemplo foi retirado de Barker, p. 189.
2.        Sondagens e mais sondagens mostram que o N.D.P. ganhará menos de 10 lugares no Parlamento. Apesar disso o líder do Partido insiste em que o Partido terá muito mais votos do que as sondagens sugerem. ( De facto o N.D.P. só obteve 9 lugares.)


Prova: Acima de tudo pode insistir na força da inferência.
Referências:
Barker: 189.


Omissão de dados

 Dados importantes, que arruinariam um argumento indutivo, são excluídos. A exigência de que toda a informação relevante e disponível seja incluída num argumento indutivo, é chamada "princípio da informação total".
Exemplos:


1.        O João é alentejano, e a maioria dos alentejanos vota no PCP, portanto o João provavelmente votará no PCP. (A informação deixada de fora é que o João vive em Évora e a maioria dos eborenses vota PS.)
2.        Muito provavelmente o Benfica vai ganhar este jogo porque ganhou nove dos últimos dez jogos. (Oito das vitórias foram obtidas sobre equipas de escalões secundários, na fase de preparação, e o Benfica vai agora defrontar uma equipa de primeiro plano.)
3.         
Prova: Exponha os dados em falta e mostre que eles mudam a conclusão do argumento indutivo. Note-se que não basta mostrar que nem todas as provas foram incluídas — é preciso mostrar que as provas em falta justificam outra conclusão.
Referências:
Davis: 115.
Falácias com regras gerais

Uma regra geral é um enunciado habitualmente verdadeiro mas nem sempre o é. As regras gerais são indicadas, muitas vezes, por expressões como "quase sempre" ou "a maioria". Por exemplo, "a maioria dos conservadores favorecem cortes na Segurança Social". Algumas vezes usamos a palavra "geralmente", como em "Geralmente os conservadores são a favor de cortes na Segurança Social". Mas algumas vezes nenhuma palavra específica é usada, como, por exemplo, em "Os conservadores favorecem cortes na Segurança Social". As regras gerais nem sempre são estritamente verdadeiras. Portanto, quando alguém trata uma regra geral como se fosse estritamente sempre verdadeira, comete uma falácia.


Falácia do acidente

É aplicada a regra geral quando as circunstâncias sugerem que se deve aplicar uma excepção à regra.
Exemplos:


1.        A lei diz que não deves conduzir a mais de 50 Km/h. Portanto, mesmo que o teu pai não possa respirar, não deves passar dos 50 km/h.
2.        É bom devolver as coisas que nos emprestaram. Portanto, deves devolver essa arma automática ao louco que te a emprestou. (Adaptado de Platão, A República, I).
3.         
Prova: Identifique a regra geral em questão e mostre que não é uma regra geral estrita. Depois mostre que as circunstâncias deste caso sugerem que a regra não deve aplicar-se.
Referências: Copi e Cohen: 100.


Falácia inversa do acidente

 Aplica-se uma excepção à regra geral a casos em que se deve aplicar a regra geral.
Exemplos:


1.        Se deixarmos os doentes terminais usar heroína, devemos deixar toda a gente usá-la.
2.        Se deixou que Joana, a tal moça que foi atropelada por um camião, entregasse o trabalho mais tarde, também deveria permitir que toda a turma entregasse o trabalho mais tarde.


Prova: Identifique a regra geral em questão e mostre que o caso especial é uma excepção à regra.
Referências: Copi e Cohen: 100.


Falácias causais

Os argumentos causais são os argumentos onde se conclui que uma coisa ou acontecimento causa outra. São muito comuns mas, como a relação entre causa e efeito é complexa, é fácil cometer erros. Em regra, diz-se que C é a causa do efeito E se e só se:


1.        Geralmente, quando C ocorre, também E ocorre; e
2.        Geralmente, se C não ocorre, então E também não ocorre.


Diz-se "geralmente" porque há sempre excepções. Diz-se, por exemplo, que riscar o fósforo é a causa da chama porque:


1.        Geralmente, quando riscamos o fósforo ele acende (excepto quando riscamos o fósforo dentro de água...); e
2.        Geralmente, quando o fósforo não é riscado, ele não acende (excepto quando o acendemos com um maçarico...).


Muitos especialistas requerem também que uma afirmação causal seja apoiada por uma lei da natureza. Por exemplo, a afirmação "riscar o fósforo é a causa da chama" é justificado pelo princípio "a fricção produz calor, e o calor produz o fogo".


Depois disso, logo, por causa  disso (post hoc ergo propter hoc)

O nome em Latim significa: "depois disso, logo, por causa disso". Isto descreve a falácia. Um autor comete a falácia quando pressupõe que, por uma coisa se seguir a outra, então aquela teve de ser causada por esta.
Exemplos:


1.        A imigração do Alentejo para Lisboa aumentou mal a prosperidade aumentou. Portanto, o incremento da imigração foi causado pelo incremento da properidade.
2.        Tomei o EZ-Mata-Gripe e dois dias depois a minha constipação desapareceu...


Prova: Mostre que a correlação é coincidência, mostrando: 1) que o "efeito" teria ocorrido mesmo sem a alegada causa ocorrer, ou que 2) o efeito teve uma causa diferente da que foi indicada.


Efeito conjunto

Sustenta-se que uma coisa causa outra mas, de facto, são ambas o efeito de uma mesma causa subjacente. Esta falácia é muitas vezes apresentada como um caso especial de falácia post hoc ergo propter hoc.
Exemplos:


1.        Estamos a viver uma fase de elevado desemprego que é provocado por por um baixo consumo. (De facto, ambos podem ser causados por taxas de juro muito elevadas.)
2.        Estás com febre e isso está a fazer com que te enchas de borbulhas. (De facto, ambos os sintomas são causados pelo sarampo.)


Prova: Identifique os dois efeitos e mostre que ambos são provocados pela mesma causa subjacente. É preciso indicar a causa oculta e provar que ela causa cada efeito.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 238.


Causa genuína mas insignificante

 O objecto ou evento identificado como a causa de um efeito, é uma causa genuína — mas insignificante quando comparada com outras causas desse evento. Note-se que não se trata desta falácia quando todas as outras causas são igualmente insignificantes. Não é falacioso dizer que a sua ajuda causou a derrota do partido do governo, porque o seu voto tem o mesmo peso de qualquer outro voto e, portanto, é igualmente parte da causa.
Exemplos:


1.        Fumar causa a poluição do ar em Edmonton. (É verdade mas o efeito do fumo do tabaco é insignificante comparado com o efeito poluente dos automóveis.)
2.        Deixando a tua fornalha acesa durante a noite contribuis para o aquecimento global do planeta.


Prova: Identifique uma causa mais significativa.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 238.

Tomar o efeito pela causa

 A relação entre causa e efeito é invertida.
Exemplos:


1.        O cancro faz fumar.
2.        A propagação da SIDA foi provocada pela educação sexual. (De facto, o desenvolvimento da educação sexual foi provocado pela propagação da SIDA.)


Prova: Exponha um argumento causal, mostrando que a relação entre causa e efeito foi, de facto, invertida.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 238.


Causa complexa

 O efeito é provocado por um certo número de objectos ou eventos, dos quais a causa identificada é apenas um parte. Uma variante disto são os ciclos de feedback onde o efeito é ele mesmo parte da causa.
Exemplos:


1.        O acidente não teria ocorrido se não fosse a má localização do arbusto. (Certo, mas o acidente não teria ocorrido se o condutor não estivesse bêbado, e se o peão tivesse prestado atenção ao trânsito.)
2.        A explosão do Challenger foi causada pelo tempo frio. (Verdadeiro, mas não teria ocorrido se os anéis em o tivessem sido bem construídos.)
3.        As pessoas estão com medo por causa do incremento do crime. (Certo, mas as pessoas têm sido levadas a violar a lei em consequência do seu medo. O que ainda aumenta mais o crime.)


Prova: Mostre que todas as causas e não apenas aquela que foi mencionada são precisas para explicar o efeito.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 238.

Falhar o alvo

Estas falácias têm em comum o facto de falharem a prova de que a conclusão é verdadeira.


Petição de Princípio (petitio principii)

A verdade da conclusão é pressuposta pelas premissas. Muitas vezes, a conclusão é apenas reafirmada nas premissas de uma forma ligeiramente diferente. Nos casos mais subtis, a premissa é uma consequência da conclusão.
Exemplos:


1.        Dado que não estou a mentir, segue-se que estou a dizer a verdade.
2.        Sabemos que Deus existe, porque a Bíblia o diz. E o que a Bíblia diz deve ser verdadeiro, dado que foi escrita por Deus e Deus não mente. (Neste caso teríamos de concordar primeiro que Deus existe para aceitarmos que ele escreveu a Bíblia.)


Prova:
Mostre que para acreditarmos nas premissas já teríamos de aceitar a conclusão.
Referências:
Barker: 159; Cedarblom e Paulsen: 144; Copi e Cohen: 102; Davis: 33.

Conclusão Irrelevante (ignoratio elenchi)

Um argumento prova uma coisa diferente da pretendida.
Exemplos:


1.        Deves aceitar a nova política de arrendamento. Não podemos continuar a ver pessoas a viver nas ruas, devemos ter rendas mais baratas. (Podemos pensar que é inaceitável ver pessoas a viver nas ruas e, no entanto, não estarmos de acordo com as novas rendas)
2.        A lei deve estipular uma percentagem mínima de mulheres nos cargos políticos, repartições e empresas. Os homens dominam praticamente todos os cargos importantes. Só uma sociedade discriminatória o pode suportar. Não fazermos nada para alterar esse estado de coisas é inaceitável. (Podemos concluir, com o argumentador, que a nossa sociedade é machista sem termos de aceitar que a discriminação positiva que ele propõe é a solução.)


Prova: Mostre que a conclusão apresentada pelo argumentador, com a qual até pode concordar, não é a conclusão que ele pretendia tirar.
Referências:
Copi e Cohen: 105.
Espantalho

O argumentador, em vez de atacar o melhor argumento do seu opositor, ataca um argumento diferente, mais fraco ou tendenciosamente interpretado. Infelizmente é uma das "técnicas" de argumentação mais usadas.
Exemplos:


1.        As pessoas que querem legalizar o aborto, querem prevenção irresponsável da gravidez. Mas nós queremos uma sexualidade responsável. Logo, o aborto não deve ser legalizado.
2.        Devemos manter o recrutamento obrigatório. As pessoas não querem o fazer o serviço militar porque não lhes convém. Mas devem reconhecer que há coisas mais importantes do que a conveniência.


Prova: Mostre que o argumento oposto foi mal representado, mostrando que os opositores têm argumentos mais fortes. Descreva um argumento mais forte.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 138.


Falácias da ambigüidade

 As falácias desta secção são, todas elas, falácias geradas pela falta de clareza no uso de uma frase ou palavra. Há dois modos de isto suceder:


1.        A palavra ou frase pode ser ambígua, caso em que tem, mais de sentido distinto;
2.        A palavra ou frase pode ser vaga. Nesse caso não tem um sentido distinto.

Equívoco

 A mesma palavra pode ser usada com dois significados diferentes.
Exemplos:


1.        Criminalidade é ilegalidade. O julgamento de um roubo ou assassínio são acções criminais. Os julgamentos de roubos e assassínios são designados de acções criminais. Logo, os julgamentos de roubos e assassínios são ilegais.(Exemplo retirado de Copi.)
2.        Os assassinos de cianças são desumanos. Portanto, os humanos não matam crianças. (O argumento joga com os significados moral e descritivo de 'humano')
3.        Para ser grande ou pequeno um objecto tem, primeiro, de ser. Logo, o ser do objecto surgiu primeiro. (Jogo com os significados lógico e físico de "ser")


Prova: Identifique a palavra que é usada mais de uma vez. Depois, mostre que a palavra surge com diferentes definições, adequadas num dos seus usos e desadequadas noutros.
Referências: Barker: 163; Cedarblom and Paulsen: 142; Copi e Cohen: 113; Davis: 58.

Anfibologia
 Uma anfibologia ocorre quando a construção da frase permite atribuir-lhe diferentes significados.
Exemplos:


1.        No teu emprego todos gostam de um carro. Portanto, há um carro muito especial. (Todos gostam de um carro qualquer ou do mesmo carro?)
2.        O Oráculo de Delos disse a Croseus que se ele continuasse a guerra destruiria um reino poderoso. (O Oráculo não disse que seria o seu próprio reino...)


Prova: Evidencie a ambiguidade da frase, mostrando que pode receber diferentes interpretações.
Referências:
Copi and Cohen: 114.
Ênfase

 A ênfase é usada para sugerir uma proposição diferente daquela que, de facto, é expressa.
Exemplos:


1.        Não há CERVEJA GRATIS!
2.        A ex-namorada, procurando vingar-se do capitão, escreveu no jornal: "Hoje, o capitão estava sóbrio".(Ela sugere, com a ênfase, que habitualmente o capitão está bêbado. Copi, p. 117)
Referências:
Copi e Cohen: 115, 117.


Erros categoriais

 Estas falácias ocorrem porque o autor assume erroneamente que as partes e o todo devem ter propriedades semelhantes. No entanto, as coisas podem ter, como um todo, propriedades diferentes das que cada uma tinha em separado.


Falácia da composição

 Por as partes de um todo terem uma certa propriedade, argumenta-se que o todo tem essa mesma propriedade. Esse todo pode ser tanto um objecto composto de diferentes partes, como uma colecção ou conjunto de membros individuais.
Exemplos:


1.        Cada tijolo tem três polegadas de altura, portanto a parede de tijolo tem três polegadas de altura.
2.        As células não têm consciência. Portanto, o cérebro, que é feito de células, não tem consciência.
Prova: Identifique o todo e as partes em questão. Mostre que, em geral o todo não têm de ter as propriedades das partes, ou, podendo ser mais específico, mostre que o todo em questão não tem as propriedades das partes.


Falácia da divisão

Como o todo tem uma certa propriedade, argumenta-se que as partes têm essa propriedade. O todo em questão, pode ser tanto um objecto como uma colecção ou conjunto de membros individuais.
Exemplos:


1.        A parede de tijolo tem 1,90 m de altura. Portanto os tijolos têm 1,90 de altura.
2.        Como o cérebro tem consciência, cada célula do cérebro deve ter a consciência.
3.        Como tudo tem uma causa, então há uma causa de tudo.
4.        Como todos têm uma mãe, então há uma mãe de todos.


Prova: Mostre que as propriedades em questão são propriedades das partes mas não do todo. Se for preciso, descreva as partes para mostrar que elas não têm as propriedades do todo.
Referências: Barker: 164; Copi e Cohen: 119.

Non-sequitur

O termo non sequitur significa literalmente "não se segue que". Nesta secção descrevemos falácias que ocorrem em consequência da forma de argumento usado ser inválida.


Falácia da afirmação da conseqüente

 Esta falácia deriva da confusão entre condição suficiente e condição necessária. Por exemplo: dadas as proposições
P = Hitler levou com a bomba H. 
Q = Hitler morreu.


Se admitir que P é verdadeira, concluirei que Q é verdadeira. P é suficiente para Q. Q é necessária para P (não há P sem Q). Mas, do facto de Q ser verdadeira, não posso concluir que P o seja (Q não é suficiente para P). Logo, todo o argumento com a seguinte forma é inválido:
Se P, então Q.
Ora, Q.
Logo, P.
Exemplos:


1.        Se jogamos bem, ganhamos. Ora, ganhámos. Logo, jogámos bem. (De facto jogámos mal, mas o adversário jogou pior e o árbitro ajudou)
2.        Se estou em Faro, estou no Algarve. Ora, estou no Algarve. Logo, estou em Faro. (Claro que posso estar em Olhão ou em Sagres.)
3.        Se a fábrica estivesse a poluir o rio, então veríamos o número de peixes mortos aumentar. Há cada vez mais peixes a morrer. Logo, a fábrica está a poluir o rio.


Prova: Mostre que, mesmo sendo as premissas verdadeiras, a conclusão pode ser falsa. Em geral basta mostrar que Q pode ser consequência de outra coisa que não P. Por exemplo, a morte dos peixes pode ser provocada pela aplicação de pesticidas e não pela fábrica.
Referências: Barker: 69; Cedarblom e Paulsen: 24; Copi e Cohen: 241.

Falácia da negação da antecedente

Nesta falácia confunde-se a condição suficiente com a condição necessária. Com uma frase condicional (Se P, então Q) dizemos que se P for verdadeira, Q também é; mas não dizemos que a recíproca é verdadeira. Por isso, os argumentos com a seguinte forma são inválidos:
Se P, então Q.
Não-P.
Logo, não-Q.


Exemplos:


1.        Se fores atingido por um carro quando tiveres 6 anos, morres jovem. Mas não foste atingido por um carro aos 6 anos. Portanto, não vais morrer jovem. (Claro que ele poderia ser atingido por um comboio com a idade de 6 anos e, nesse caso, morria jovem)
2.        Se estou em Faro, então estou no Algarve. Não estou em Faro. Logo, não estou no Algarve. (Mas pode estar em Olhão...)


Prova: Mostre que a conclusão pode ser falsa mesmo que as as premissas sejam verdadeiras. Em particular, mostre que a consequente, Q, pode ocorrer mesmo que P não ocorra.
Referências: Barker: 69; Cedarblom e Paulsen: 26; Copi e Cohen: 241.

Falácia da inconsistência

O argumentador avança pelo menos duas proposições que não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Em tais casos as proposições podem ser contrárias ou contraditórias.
Exemplos:


1.        Montreal está a cerca de 200 km de Otava, enquanto Toronto está a 400 km de Otava. Toronto está mais perto de Otava do que Montreal.
2.        John é maior do que Jake, e Jake é maior do que Fred, enquanto Fred é maior do que John.
Prova: Parta de uma das afirmações e use-a como uma premissa para mostrar que a outra é falsa.
Referências: Barker: 157.

Falácias da explicação

Uma explicação é uma forma de raciocínio que tenta dar resposta à pergunta "Porquê?" Por exemplo: é com uma explicação que respondemos a uma pergunta como "Por que é que o céu é azul?" Uma boa explicação será baseada numa teoria científica ou empírica. A explicação do azul do céu será dada em termos da composição dos céus e das teorias da reflexão.


Invenção de factos

 Uma explicação pretende dizer-nos por que razão acontece certo fenómeno. A explicação é falaciosa se o fenómeno não ocorre ou se não houver prova de que possa ocorrer.
Exemplos:


1.        A razão da timidez da maioria das pessoas solteiras reside no carácter possessivo das suas mães. (É uma tentativa de explicar por que razão a maioria das pessoas solteiras são tímidas. No entanto, não é verdade que a maioria das pessoas solteiras sejam tímidas.)
2.        João entrou na loja porque queria ver a Maria. (Isto é uma falácia porque, de facto, João não entrou na loja.)
3.        A razão pela qual a maioria das pessoas se opõem à greve é o medo de perder o emprego. (Pretende-se explicar a oposição dos trabalhadores à greve. Mas suponha que eles votam a continuação da greve. Então não há, de facto, oposição à greve.)


Prova: Identifique o fenómeno que está a ser explicado. Mostre que não há razão para acreditar que o fenómeno tenha de facto ocorrido.
Referências:
Cedarblom e Paulsen: 158.

Distorcer factos

Uma explicação pretende dizer-nos por que razão acontece certo fenómeno (facto). O fenómeno ou facto está estabelecido, o argumento visa estabelecer a explicação. Neste tipo de falácias, no entanto, apesar de algo semelhante ao fenómeno a explicar ter ocorrido, ele é falsificado, apresentado de forma parcial ou baseado em provas had-doc.
Exemplos:


1.        A timidez da maioria dos solteiros explica-se pelo carácter dominador das mães. (Pretende-se explicar a timidez da maioria dos solteiros. No entanto provou-se que o autor baseou a sua argumentação em dois solteiros que conheceu em tempos, sendo ambos tímidos... Isto está longe de ser artificial: é assim que muitas vezes formamos a nossa opinião sobre diversos grupos humanos)
2.        A razão pela qual obtenho boas classificações é que os meus alunos me apreciam. (Isto é uma falácia quando as avaliações com menos de 70% são eliminadas com a justificação de que os alunos não compreenderam a questão...)
Prova: Identifique o fenómeno que está a ser explicado. Mostre que as provas avançadas para afirmar a existência do fenómeno foram, de algum modo, manipuladas.
Referências:
Cedarblom e Paulsen: 160.

Irrefutabilidade

A teoria que foi concebida para explicar a ocorrência de algum fenómeno não pode ser testada. Testamos uma teoria por meio das suas previsões. Por exemplo, uma teoria pode prever que a luz muda de trajectória em certas condições, ou que um líquido muda de cor com o ácido, ou que um psicótico responda mal a certos estímulos. Se o evento previsto não ocorrer, então a informação obtida contradiz a teoria. Uma teoria não pode ser testada se não faz previsões. Também não pode ser testada se prevê acontecimentos que podem ocorrer independentemente de a teoria ser verdadeira.
Exemplos:


1.        Um avião desapareceu no meio do Atlântico devido ao efeito do Triângulo das Bermudas, uma força tão subtil que não pode ser medida por qualquer instrumento. (À "força" do Triângulo das Bermudas não se atribui mais nenhum efeito além do desaparecimento ocasional de um avião. Por isso, a única previsão que permite é que mais aviões se irão perder. Mas isto é o que pode muito bem acontecer independentemente de a teoria ser verdadeira ou falsa. )
2.        Ganhei a lotaria porque a minha aura psíquica me fez ganhar. (Uma maneira de testar esta teoria é tentar ganhar de novo a lotaria. Mas a pessoa responde que essa aura só o faz ganhar uma vez. Não há, portanto, uma maneira de determinar se ganhou em resultado da aura ou do acaso.)
3.        A razão pela qual tudo existe é que Deus tudo criou. (Isto pode ser verdade, mas como explicação não tem qualquer peso porque não temos meios para testar tal teoria. Nenhuns factos no mundo podem mostrar que esta teoria é falsa porque, de acordo com tal teoria, todos os factos foram criados por Deus.)
4.        Ny Quil fá-lo dormir devido à sua fórmula dormitiva. (Quando pressionado, o fabricante definirá a "fórmula dormitiva" como "qualquer coisa que o faz dormir". Para testar esta teoria, teríamos de descobrir outra coisa que contivesse a fórmula dormitiva e verificar se ela faz dormir. Mas como encontramos alguma coisa que contenha a fórmula dormitiva? Procuramos por coisas que façam dormir! Mas nós podemos prever que as coisas que fazem dormir fazem dormir, não interessando o que a teoria diz. Esta teoria é vazia.)


Prova:
Identifique a teoria. Mostre que ela não faz previsões, ou que as previsões feitas com a teoria são falsas ou que as previsões que ela faz podem ser verdadeiras mesmo que a teoria seja falsa.
Referências:
Cedarblom e Paulsen: 161.


Âmbito Limitado (ad-hoc)

 A teoria só explica um fenómeno e nada mais.
Exemplos:


1.        Havia hostilidade em relação aos hippies dos anos 60 por causa do ressentimento dos seus pais em relação às crianças. (Esta explicação é deficiente porque explica a hostilidade em relação aos hippies e nada mais. Uma teoria melhor seria dizer que havia hostilidade em relação aos hippies porque os hippies são diferentes, e as pessoas temem coisas diferentes. Esta teoria explicaria não só a hostilidade em relação aos hippies, mas também outras formas de hostilidade.)
2.        As pessoas tornam-se esquizofrénicas porque as diferentes partes dos eu cérebro funcionam separadas. (Esta teoria explica a esquizofrenia e nada mais.)


Prova:
Identifique a teoria e o fenómeno que ela explica. Mostre que a teoria não explica nada mais. Argumente que as teorias que só explicam um fenómeno são, na melhor das hipóteses, incompletas.
Referências:
Cedarblom e Paulsen: 163.


Pouca profundidade (superficialidade)

 As teorias explicam os factos apelando a causas ou fenómenos subjacentes. As teorias que não apelam a causas subjacentes e apenas apelam à pertença a uma categoria (apenas incluem o fenómeno em uma classe de fenómenos) são superficiais.
Exemplos:


1.        A minha gata gosta de atum porque é uma gata. (Esta teoria apenas afirma que os gatos gostam de atum, sem explicar este facto.)
2.        Ronald Reagan era militarista porque era americano. (Certo, ele era americano. Mas, em que é que o facto de ser americano o torna militarista? O que o levou a agir dessa maneira? A teoria não nos diz isso e, portanto, não nos dá uma boa explicação.)
3.        Estás a dizer isso só porque pertences ao sindicato. (Esta tentativa de rejeição do argumento pretende explicar o comportamento do opositor como manifestação de frivolidade. Falha, no entanto, porque não é uma explicação. Suponhamos que toda a gente do sindicato dizia o mesmo. E daí? Tínhamos de ir mais fundo — tínhamos de perguntar por que razão toda a gente do sindicado dizia isso, antes de podermos concluir que as afirmações do opositor são frívolas.)


Prova: As teorias desta espécie tentam explicar um fenómeno, mostrando que ele é parte de uma classe ou categoria de fenómenos semelhantes. Aceitando esse facto, exija uma explicação mais vasta para os fenómenos dessa categoria. Argumente que uma teoria explicativa deve referir causas e não apenas classificações.
Referências:
Cedarblom e Paulsen: 164.


Erros de definição

Usamos definições para tornar os nossos conceitos mais claros. O propósito da definição é enunciar com exactidão o significado de uma palavra. Uma boa definição deve permitir que o leitor a aplique a casos concretos sem ajuda exterior. Por exemplo, suponhamos que queremos definir a palavra "maçã". Se a definição for bem sucedida, então o leitor deve poder aplicá-la a cada maçã que existe e só a maçãs. Se o leitor falhar algumas maçãs ou incluir outros objectos (como pêras) ou não puder dizer se algo é maçã ou não, então a definição falha. As definições não são argumentos. Por isso, não se pode, com rigor, falar de "Falácias da Definição". Mas as definições incorrectas, por vezes tendenciosas, são muitas vezes incluídas em argumentos tornando-os falaciosos.


Definição demasiado lata

 A definição inclui mais do que devia incluir.
Exemplos:


1.        Uma maçã é um objecto vermelho e redondo. (O planeta Marte é vermelho e redondo. Portanto está incluído na definição. Mas é óbvio que Marte não é uma maçã.)
2.        Uma figura é quadrada se e só se tiver quatro lados de igual comprimento.(Não são só quadrados que têm quatro lados de igual comprimento. Os losângulos também.)


Prova: Identifique o termos que está a ser definido. Identifique as condições da definição. Procure um objecto que preencha as condições da conclusão mas que obviamente não seja uma instância do termo a definir.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 182.

Definição demasiado restrita

A definição não inclui tudo o que deveria incluir.
Exemplos:


1.        Uma maçã é algo vermelho e redondo. (Há muitas maçãs, e deliciosas maçãs, que, não sendo maçãs vermelhas, não estão incluídas na definição e deveriam estar.)
2.        Um livro é pornográfico se e só se contiver fotografias de pessoas nuas. (Os livros escritos pelo Marquês de Sade não contêm fotografias. No entanto, são tidos como pornográficos. Portanto, a definição é demasiado limitada.)
3.        Uma coisa é música se e apenas se for tocável num piano. (Um solo de bateria não pode ser tocado num piano e, no entanto, não deixa de ser música.)


Prova: Identifique o termo que está a ser definido. Identifique as condições da definição. Apresente um item que seja uma instância do termo mas não preencha essas condições.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 182.


Definição pouco clara
A definição é tão ou mais difícil de compreender do que o termo a definir.
Exemplos:


1.        Uma pessoa é dissoluta se e só se for lasciva. (Pretende-se definir o termo "dissoluta". Mas o significado do termo "dissoluta" é tão obscuro como o do termo "lasciva". Assim a definição falha o seu objectivo de clarificação.)
2.        Um objecto é belo se e só se for esteticamente bem sucedido. (O termo "esteticamente bem sucedido" é mais difícil de compreender do que o termo "belo".)


Prova: Identifique o termo que está a ser definido. Identifique as condições da definição. Mostre que as condições não estão mais claramente definidas do que o termo a definir.
Referências: Cedarblom e Paulsen: 184.


Definição circular

A definição inclui o termo definido como parte da definição. Uma definição circular é um caso especial da falta de clareza.
Exemplos:


1.        Um animal é humano se e só se tem pais humanos. (Pretende-se definir "humano". Mas para encontrarmos um ser humano temos de encontrar pais humanos. Para encontrarmos pais humanos temos já de saber o que o que é um ser humano.)
2.        Um livro é pornográfico se e só se contiver pornografia. (Teríamos já de saber o que é a pornografia para dizer se um livro é ou não pornográfico.)


Prova: Identifique o termo que está a ser definido. Identifique as condições da definição. Mostre que pelo menos um termo usado nas condições é o mesmo que o termo que está a ser definido.
Referências:
Cedarblom e Paulsen: 184.


Definição contraditória

A definição é auto-contraditória.
Exemplos:


1.        Uma sociedade é livre se e só se a liberdade for maximizada e as pessoas forem legalmente obrigadas a tomar a responsabilidade das suas acções. (As definições deste tipo são muito comuns, especialmente na Internet. Mas, se uma pessoa for legalmente obrigada a fazer alguma coisa, já não podemos dizer que a liberdade foi maximizada.)
2.        As pessoas podem candidatar-se à carta de condução se:
(a)   não tiverem experiência anterior de condução
(b)   tiverem acesso a um veículo, e
(c)   tiverem operado veículos motorizados
(Uma pessoa não pode ter operado veículos motorizados se não tiver experiência prévia de condução)


Prova: Identifique as condições da definição. Mostre que nem todas podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiras. Em particular, parta de uma das condições e, depois, mostre que uma das outras é falsa).
Referências: Cedarblom and Paulsen: 186.



O Amor é uma Falácia
M. Sulman
Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto - era tudo isso. Tinha um cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha - imaginem só - dezoito anos.
Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Pettey Bellows. Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma porta. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior do que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar a alguma idiotice só porque os outros a segue, isto, para mim, é o cúmulo da insensatez. Petey, no entanto, não pensava assim.
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: apendicite.
- Não se mexa. Não tome laxante. Vou chamar o médico.
- Couro preto - balbuciou ele.
- Couro preto? - disse eu, interrompendo a minha corrida.
- Quero uma jaqueta de couro preto - disse.
Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.
- Por que você quer uma jaqueta de couro preto?
- Eu devia ter adivinhado - gritou ele, socando a cabeça - Devia ter adivinhado que eles voltariam com o Charleston. Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar uma jaqueta de couro preto.
- Quer dizer - perguntei incrédulo - que estão mesmo usando jaquetas de couro preto outra vez?
- Todas as pessoas importantes da universidade estão. Onde você tem andado?
- Na biblioteca - respondi, citando um lugar não freqüentado pela pessoas importantes da Universidade.
Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto.
- Preciso conseguir uma jaqueta de couro preto - disse, exaltado - Preciso mesmo.
- Por que, Pety? Veja a coisa racionalmente. Jaquetas de couro preto são desconfortáveis. Impedem o movimento dos braços. São pesadas, são feias, são ...
- Você não compreende - interrompeu ele com impaciência - é o que todos estão usando. Você não quer andar na moda?
- Não - respondi, sinceramente.
- Pois eu sim - declarou ele - daria tudo para ter uma jaqueta de couro preto. Tudo.
Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
- Tudo? - perguntei, examinando seu rosto com olhos semicerrados.
- Tudo - confirmou ele, em tom dramático.
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar uma jaqueta de couro preto. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um malão, no sótão da casa. E, também por acaso, Petey tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua namorada, Polly Spy.
Eu há muito desejava Polly Spy. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvida, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Polly para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais.
Cursava eu o primeiro ano de direito. Dali a algum tempo, estaria me iniciando na profissão. Sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo as minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Polly preenchia perfeitamente estes requisitos.
Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá.
Graciosa também era. Por graciosa quero dizer cheia de graças sociais. Tinha porte ereto, a naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. Á mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a especialidade da casa - um sanduíche que continha pedaços de carne assada, molho, castanhas e repolho - sem nem sequer umedecer os dedos.
Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava em que, sob a minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita.
- Petey - perguntei - você ama Polly Spy?
- Eu acho que ela é interessante - respondeu - mas não sei se chamaria isso de amor. Por quê?
- Você - continuei - tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro?
- Não. Nos vemos seguidamente. Mas saímos os dois com outros também. Por quê?
- Existe alguém - perguntei - algum outro homem que ela goste de maneira especial?
- Que eu saiba não. Por quê?
Fiz que sim com a cabeça, satisfeito.
- Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso?
- Acho que sim. Aonde você quer chegar?
- Nada, anda - respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário.
- Onde é que você vai? - quis saber Petey.
- Passar o fim de semana em casa.
Atirei algumas roupas dentro da mala.
- Escute - disse Petey, apegando-se com força ao meu braço - em casa, será que você não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar uma jaqueta de couro preto?
- Posso até fazer mais do que isso - respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala e saí.
- Olhe - disse a Petey, ao voltar na segunda feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante de seu Stutz Beacat em 1955.
- Santo Pai - exclamou Petey com reverência. Passou as mãos na jaqueta e depois no rosto.
- Santo Pai - repetiu, umas quinze ou vinte vezes.
- Você gostaria de ficar com ele? - perguntei.
- Sim - gritou ele, apertando a jaqueta contra o peito. Em seguida, seus olhos assumiram um ar precavido. - O que quer em troca?
- A sua namorada - disse eu, não desperdiçando palavras.
- Polly? - sussurrou Petey, horrorizado. - Você quer a Polly?
- Isso mesmo.
Ele jogou a jaqueta pra longe.
- Nunca - declarou resoluto.
Dei de ombros.
- Tudo bem. Se você não quer andar na moda, o problema é seu.
Sentei-me numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Petey, com o rabo dos olhos. Era um homem partido em dois. Primeiro olhava para a jaqueta com a expressão de uma criança desamparada diante da vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois voltava a olhar para a jaqueta. Com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente, não se virou mais: ficou olhando para a jaqueta com pura lascívia.
- Não é como se eu estivesse apaixonado por Polly - balbuciou. - Ou mesmo namorando sério, ou coisa parecida.
- Isso mesmo - murmurei.
- Afinal, Polly significa o que para mim, ou eu pra ela?
- Nada - respondi.
- Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco. Só isso.
- Experimente a jaqueta - disse eu.
Ele obedeceu. A jaqueta ficou bem larga, passando da cintura. Ele parecia um motoqueiro mal vestido da década de cinqüenta.
- Serve perfeitamente - disse, contente.
Levantei-me da cadeira e perguntei, estendendo a mão.
- Negócio feito?
Ele engoliu a seco.
- Feito - disse, e apertou a minha mão.
Saí com Polly pela primeira vez na noite seguinte.
O Primeiro programa teria o caráter de pesquisa preparatória. Eu desejava saber o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para jantar.
- Puxa, que jantar interessante! - disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao cinema.
- Puxa, que filme interessante! - disse ela, quando saímos do cinema.
Levei-a para casa.
- Puxa, que noite interessante - disse ela, ao nos despedirmos.
Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça era aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento se me afigurava gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Petey. Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos e na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca, um garfo, e decidi tentar novamente.
Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de Lógica. Acontece que, como estudante de direito, eu freqüentava na ocasião aulas de Lógica, e portanto tinha tudo na ponta da língua.
- Polly - disse eu, quando fui buscá-la para o nosso segundo encontro. - Esta noite vamos até o parque conversar.
- Ah, que interessante! - respondeu ela.
Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo.
Fomos até o parque, o local de encontros da universidade, nos sentamos debaixo de uma árvore, e ela me olhou cheia de expectativa.
- Sobre o que vamos conversar? - perguntou.
- Sobre Lógica.
Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou:
- Interessante!
- A Lógica - comecei, limpando a garganta - é a ciência do pensamento. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos abordar hoje.
- Interessante! - exclamou ela, batendo palmas de alegria.
Fiz uma careta, mas segui em frente, com coragem.
- Vamos primeiro examinar uma falácia chamada Dicto Simpliciter.
- Vamos - animou-se ela, piscando os olhos com animação.
Dicto Simpliciter quer dizer um argumento baseado numa generalização não qualificada. Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.
- Eu estou de acordo - disse Polly, fervorosamente. - Quer dizer, o exercício é maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.
- Polly - disse eu, com ternura - o argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é ruim. Muitas pessoas têm ordem de seus médicos para não exercitarem. É preciso qualificar a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom para a maioria das pessoas. Do contrário está-se cometendo umDicto Simpliciter. Você compreende?
- Não - confessou ela. - Mas isso é interessante. Quero mais. Quero mais!
- Será melhor se você parar de puxar a manga da minha camisa - disse eu e, quando ela parou, continuei:
- Em seguida, abordaremos uma falácia chamada generalização apressada. Ouça com atenção: você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Petey Bellows não sabe falar francês. Devo portanto concluir que ninguém na universidade sabe falar francês.
- É mesmo? - espantou-se Polly. - Ninguém?
Contive a minha impaciência.
- É uma falácia, Polly. A generalização é feita apressadamente. Não há exemplos suficientes para justificar a conclusão.
- Você conhece outras falácias? - perguntou ela, animada. - Isto é até melhor do que dançar.
- Esforcei-me por conter a onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava conseguindo nada com aquela moça, absolutamente nada. Mas não sou outra coisa senão persistente. Continuei.
- A seguir, vem o Post Hoc. Ouça: Não levemos Bill conosco ao piquenique. Toda vez que ele vai junto, começa a chover.
- Eu conheço uma pessoa exatamente assim - exclamou Polly. - Uma moça da minha cidade, Eula Becker. Nunca falha. Toda vez que ela vai junto a um piquenique...
- Polly - interrompi, com energia - é uma falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva. Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendo em Post Hoc, se puser a culpa na Eula Becker.
- Nunca mais farei isso - prometeu ela, constrangida. - Você está bravo comigo?
- Não Polly - suspirei. - Não estou bravo.
- Então conte outra falácia.
- Muito bem. Vamos experimentar as premissas contraditórias.
- Vamos - exclamou ela alegremente.
Franzi a testa, mas continuei.
- Aí vai um exemplo de premissas contraditórias. Se Deus pode fazer tudo, pode fazer uma pedra tão pesada que ele mesmo não conseguirá levantar?
- É claro - respondeu ela imediatamente.
- Mas se ele pode fazer tudo, pode levantar a pedra.
- É mesmo - disse ela, pensativa. - Bem, então eu acho que ele não pode fazer a pedra.
- Mas ele pode fazer tudo - lembrei-lhe.
Ela coçou a cabeça linda e vazia.
- Estou confusa - admitiu.
- É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu?
- Conte outra dessas histórias interessantes - disse Polly, entusiasmada.
Consultei o relógio.
- Acho melhor parar por aqui. Levarei você em casa, e lá pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã.
Deixei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente interessante, e voltei desanimadamente para o meu quarto. Petey roncava sobre sua cama, com a jaqueta de couro encolhida a seus pés. Por alguns segundos, pensei em acordá-lo e dizer que ele podia ter Polly de volta. Era evidente que o meu projeto estava condenado ao fracasso. Ela tinha, simplesmente, uma cabeça à prova de Lógica.
Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido que era a mente de Polly, algumas brasas ainda estivessem vivas. Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejasse. As perspectivas não eram das mais animadoras, mas decidi tentar outra vez.
Sentado sob uma árvore, na noite seguinte, disse:
- Nossa primeira falácia desta noite se chama ad misericordiam.
Ela estremeceu de emoção.
- Ouça com atenção - comecei - Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e dois filhos em casa, que a mulher e aleijada, as crianças não tem o que comer, não tem o que vestir nem o que calçar, a casa não tem camas, não há carvão no porão e o inverno se aproxima.
Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Polly.
- Isso é horrível, horrível! - soluçou.
- É horrível - concordei - mas não é um argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre as suas qualificações. Ao invés disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia de ad misericordiam. Compreendeu?
Dei-lhe um lenço e fiz o possível para não gritar enquanto ela enxugava os olhos.
- A seguir - disse, controlando o tom da voz - discutiremos a falsa analogia. Eis um exemplo: deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante os exames. Afinal, os cirurgiões levam as radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas que os orientam na construção de uma casa. Por quê, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?
- Pois olhe - disse ela entusiasmada - está e a idéia mais interessante que eu já ouvi há muito tempo.
- Polly - disse eu com impaciência - o argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo teste para ver o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas.
- Continuo achando a idéia interessante - disse Polly.
- Santo Cristo! - murmurei, com impaciência.
- A seguir, tentaremos a hipótese contrária ao fato.
- Essa parece ser boa - foi a reação de Polly.
- Preste atenção: se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa gaveta junto com uma pitada de pechblenda, nós hoje não saberíamos da existência do rádio.
- É mesmo, é mesmo - concordou Polly, sacudindo a cabeça. - Você viu o filme? Eu fiquei louca pelo filme. Aquele Walter Pidgeon é tão bacana! Ele me faz vibrar.
- Se conseguir esquecer o Sr. Pidgeon por alguns minutos - disse eu, friamente - gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie teria descoberto o rádio de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa podia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese que não é verdadeira e tirar dela qualquer conclusão defensável.
- Eles deviam colocar o Walter Pidgeon em mais filmes - disse Polly - Eu quase não vejo ele no cinema.
Mais uma tentativa, decidi. Mas só mais uma. Há um limite para o que podemos suportar.
- A próxima falácia é chamada de envenenar o poço.
- Que engraçadinho! - deliciou-se Polly.
- Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levante e diz: ‘o meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só apalavra do que ele disser’. Agora, Polly, pense bem, o que está errado?
Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência - o primeiro que vira - surgiu nos seus olhos.
- Não é justo! - disse ela com indignação - Não é justo. O primeiro envenenou o poço antes que os outros pudesse beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar... Polly, estou orgulhoso de você.
- Ora - murmurou ela, ruborizando de prazer.
- Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo o que aprendemos até agora.
- Vamos lá - disse ela, com um abano distraído da mão.
Animado pela descoberta de que Polly não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo o que dissera até ali. Sem parar citei exemplos, apontei falhas, martelei sem dar trégua. Era como cavar um túnel. A princípio, trabalho duro e escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, até que fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo.
Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Polly em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Está apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões. Uma mãe adequada para os meus filhos privilegiados.
Não se deve deduzir que eu não sentia amor por ela. Muito pelo contrário. Assim como Pigmaleão amara a mulher perfeita que moldara para si, eu amava a minha. Decidi comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar as nossas relações, de acadêmicas para românticas.
- Polly, disse eu, na próxima vez que nos sentamos sob a árvore - hoje não falaremos de falácias.
- Puxa! - disse ela, desapontada.
- Minha querida - prossegui, favorecendo-a com um sorriso - hoje é a sexta noite que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.
Generalização apressada - exclamou ela, alegremente.
- Perdão - disse eu.
Generalização apressada - repetiu ela. - Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?
Dei uma risada, contente. Aquela criança adorável aprendera bem as suas lições.
- Minha querida - disse eu, dando um tapinha tolerante na sua mão - cinco encontros são o bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.
Falsa Analogia - disse Polly prontamente - eu não sou um bolo, sou uma pessoa.
Dei outra risada, já não tão contente. A criança adorável talvez tivesse aprendido a sua lição bem demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto o meu potente cérebro selecionava as palavras adequadas. Depois reiniciei.
- Polly, eu te amo. Você é tudo no mundo pra mim, é a lua e a estrelas e as constelações no firmamento. For favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão a minha vida não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma de olhos vazios.
Pronto, pensei; está liquidado o assunto.
Ad misericordiam - disse Polly.
Cerrei os dentes. Eu não era Pigmaleão; era Frankenstein, e o meu monstro me tinha pela garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava invadir-me. Era preciso manter a calma a qualquer preço.
- Bem, Polly - disse, forçando um sorriso - não há dúvida que você aprendeu bem as falácias.
- Aprendi mesmo - respondeu ela, inclinando a cabeça com vigor.
- E quem foi que ensinou a você, Polly?
- Foi você.
- Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia.
Hipótese Contrária ao Fato - disse ela sem pestanejar.
Enxuguei o suor do rosto.
- Polly - insisti, com voz rouca - você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.
Dicto Simpliciter - brincou ela, sacudindo o dedo na minha direção.
Foi o bastante. Levantei-me num salto, berrando como um touro.
- Você vai ou não vai me namorar?
- Não vou - respondeu ela.
- Por que não? - exigi.
- Porque hoje à tarde eu prometi a Petey Bellows que eu seria a namorada dele.
Quase caí para trás, fulminado por aquela infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos negócio, depois de apertar a minha mão!
- Aquele rato! - gritei, chutando a grama. - Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. Um traidor. Um rato.
Envenenar o poço - disse Polly - E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia.
Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei a minha voz.
- Muito bem - disse - você é uma lógica. Vamos olhar as coisas logicamente. Como pode preferir Petey Bellows? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um homem com futuro assegurado. E veja Petey: um maluco, um boa vida, um sujeito que nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Petey Bellows?
- Posso sim - declarou Polly - Ele tem uma jaqueta de couro preto.


in Sulman, M. (1973): As calcinhas cor-de-
rosas do Capitão, Porto Alegre: Ed. Globo)






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